Tragédia aérea em Vinhedo: conheça histórias por trás de cada assento no voo 2283
05/08/2025
(Foto: Reprodução) Tragédia aérea em Vinhedo: conheça histórias por trás de cada assento no voo 2283
Um ano após o desastre aéreo que matou 62 pessoas em Vinhedo (SP), o g1 reúne, neste especial, os perfis das vítimas do voo 2283, da Voepass. A aeronave, que fazia o trajeto entre Cascavel (PR) e Guarulhos (SP), caiu no dia 9 de agosto de 2024. Não houve sobreviventes.
Por trás dos números e de uma rota interrompida, havia profissionais em viagem de trabalho, estudantes, aposentados, peregrinos pagando promessa, e casais a caminho das férias (leia algumas das histórias abaixo). Pessoas com rotinas comuns, compromissos marcados e planos em andamento.
Os relatos reunidos nesta reportagem ajudam a reconstruir quem eram essas 62 vítimas e o impacto da perda na vida das famílias, relembrando nomes, rostos e histórias que compõem a memória coletiva do que aconteceu.
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Abaixo, estão disponíveis dois infográficos interativos:
no primeiro, é possível clicar na foto de cada vítima para acessar uma minibiografia com nome, cidade de origem e lembranças de familiares e amigos;
o segundo apresenta, em um mapa, os locais de residência dos passageiros e tripulantes.
Essa reportagem integra um conteúdo especial do g1 após 1 ano da queda do voo 2283, a maior tragédia da aviação brasileira em quase duas décadas. Na próxima quarta-feira, 6 de agosto, será lançado no portal o web-documentário “81 segundos”, que reconta o desastre. Veja o trailer abaixo:
'81 segundos': assista ao teaser do documentário sobre a tragédia aérea em Vinhedo
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Silêncio e fé
Denilda Acordi ocupava o assento 16C, um dos últimos do avião. Como na vida, preferia os bastidores. Não buscava reconhecimento e dedicava todos os dias ao serviço, à fé católica e às boas ações com a mesma discrição que sempre a acompanhou.
Era incansável. Mesmo com crises intensas de artrite, seguia visitando doentes, distribuindo hóstias, preparando remédios caseiros e levando comida a quem precisasse, em qualquer canto da cidade. Costumava dizer que “o que a mão direita faz, a esquerda não precisa saber”.
"Ela não tinha um sábado, não tinha um domingo. Não tinha um dia com chuva, não tinha um dia com sol. Não interessa o tempo, não interessa o frio. Ela estava lá para ajudar. Independentemente do horário também. Se você chamasse ela às duas da manhã, ela iria te ajudar - e sem reclamar", garante o filho, Rafael Acordi.
Denilda Acordi ao lado dos netos
Rafael Acordi/Arquivo pessoal
No dia do acidente, seguia para Brasília (DF) para cuidar da mãe de 94 anos. Mas, antes da viagem, parecia pressentir algo. Devolveu as chaves da igreja, organizou pendências e se confessou. “Pode ser só coincidência? Pode, mas eu não acredito”, diz Rafael.
Depois do dia 9 de agosto, gestos e sinais começaram a carregar um significado diferente. No aniversário de Denilda, antes da viagem, uma pomba branca bateu na janela do escritório do filho. Poucos dias depois, enquanto a família vivia o luto, um raio de sol desenhou no mesmo vidro a silhueta de uma figura que lembrava o Espírito Santo, figura à qual ela era devota.
“Ela ligava para a vida eterna. E isso eu tenho certeza absoluta que ela conseguiu com o que ela fez a aqui, com o que ela ensinou, e com o que ela não só ensinava, como ela fazia”, afirma o filho.
Silhueta de pomba branca ficou marcada no vidro; para família, imagem simboliza proteção do Espírito Santo
Rafael Acordi/Arquivo pessoal
Amor solar
Naquele dia, quem ocupava o assento 2D era Deonir Secco, professor universitário e pesquisador na área de engenharia agrícola. Aos 52 anos, ele embarcou sozinho rumo à Europa para realizar um sonho: conhecer Auschwitz, na Polônia, motivado pela indignação com as injustiças históricas.
Casado e pai de três filhos, era chamado carinhosamente de “o sol da casa”. Começava o dia antes do amanhecer, enviando mensagens aos filhos mais velhos para desejar um bom dia e se manter presente, mesmo à distância.
É por isso que, pouco antes da viagem, fez questão de assistir ao ensaio da apresentação de Dia dos Pais na escola do filho mais novo, já que não poderia ir à apresentação final. Era o único pai ali, mas sabia que era preciso se fazer presente e ser visto por quem se ama.
"Ele sempre foi minha referência. Qualquer tipo de problema que eu tinha, eu sempre recorri a ele para conversar, pedir uma ajuda, um conselho, um ombro amigo, porque o meu pai era meu parceiro. Aprendi muito com ele e hoje espero conseguir ser metade da pessoa que ele foi", diz a filha, Nayanni Secco.
Deonir Secco com os filhos e a esposa
Arquivo pessoal
No dia 9 de agosto de 2024, a caminho do aeroporto, Deonir e a esposa, Araceli Marins, cruzaram com um cortejo fúnebre. A cena despertou uma conversa que, mais tarde, se tornaria consolo. “Todo dia tem alguém triste, tem uma família chorando. Mas a hora que eu for, pode saber que eu tô pronto”, disse ele.
"Quando a gente estava na rua do aeroporto, eu ainda falei para ele: 'Tu se cuida, porque tu nunca viaja sozinho'. Ele 'pode deixar, eu vou me cuidar, só não tenho como me cuidar se o avião cair'. Aí você fica pensando, caramba, por que eu não virei aquele carro e trouxe ele embora?", lembra Araceli.
Deonir era guiado por uma máxima: “Não posso estar bem sabendo que os meus não estão”. Pós-doutor e torcedor fanático do Internacional, gostava de dançar, fazer churrasco e tomar vinho no fim do dia. A esposa ainda guarda, sem lavar, o último pijama que ele usou.
Deonir Secco, uma das 62 vítimas da tragédia aérea em Vinhedo (SP)
Arquivo pessoal
'O show tem que continuar'
No assento 10A, viajava Constantino Thé Maia, de 50 anos. Foi o último a fazer check-in para o voo e, por conta disso, só teve o nome confirmado na lista de passageiros em 10 de agosto, um dia depois da queda da aeronave.
Nas horas de incerteza que antecederam a confirmação oficial, a família viveu entre o alívio e a angústia do talvez. Torciam juntos em frente à televisão para que, por alguma obra do destino, o alicerce da casa ainda estivesse vivo.
"A angústia era tanta que nem chorar praticamente não se chorava. Todo mundo muito tenso. E hoje é a falta mesmo. Você tomar café e olhar para o canto da mesa que sentava todo dia e não tem mais. Os comentários no grupo da família que não existem mais. As festas de aniversário da família inteira que que não praticamente não tem mais", lamenta a sobrinha, Renata Falcão.
Constantino Thé Maia, uma das vítimas do desastre aéreo em Vinhedo (SP), em agosto de 2024
Arquivo pessoal
Pai de dois filhos, fazia questão de tomar café com a mãe todos os dias, conversava sobre filmes e debatia sobre ufologia, uma das paixões dele. Tinha um jeito calmo de resolver tudo.
Na penúltima festa de aniversário do filho mais novo, Constantino decidiu o tema: Os Beatles. No ano seguinte, a tradição foi mantida, mesmo depois da queda do avião. O novo tema, escolhido em homenagem a ele, dizia tudo: “Os Beatles: o show tem que continuar”.
"Eu tenho certeza que se tivesse sido qualquer um de nós na partida, a dor, óbvio, ia ser muito parecida, mas ele seria a pessoa que iria levantar todo mundo. 'Não tem mais o que fazer, vamos pra frente e vamos viver'. E às vezes é o que falta. A gente sempre contou com aquela pessoa para ser isso e hoje não tem mais e fica todo mundo assim, perdido", conta Renata.
Constantino ao lado dos filhos e da esposa na festa de aniversário com o tema 'Os Beatles'
Arquivo pessoal
O acidente
O avião com 58 passageiros e quatro tripulantes caiu no condomínio Residencial Recanto Florido, no bairro Capela, no início da tarde. O voo saiu de Cascavel (PR) e seguiria para Guarulhos (SP).
A aeronave decolou às 11h58 e o voo seguiu tranquilo até 12h20. Segundo a plataforma Flightradar, avião subiu até atingir 5 mil metros de altitude às 12h23, e seguiu nessa altura até as 13h21, quando começou a perder altitude.
Nesse momento, a aeronave fez uma curva brusca. Às 13h22 - um minuto depois do horário do último registro - a altitude estava em 1.250 metros, uma queda de aproximadamente 4 mil metros. A velocidade dessa queda foi de 440 km/h.
A aeronave atingiu o quintal de uma casa do condomínio e os moradores saíram ilesos. Ninguém em solo ficou ferido. O morador da residência atingida afirma que a família ficou em choque.
O relatório preliminar do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), divulgado no dia 6 de setembro do ano passado, trouxe informações relevantes sobre o acidente em Vinhedo.
Uma dessas informações foi de que a tripulação relatou uma falha no sistema antigelo. O relatório, contudo, não conseguiu confirmar, com base nos dados da caixa-preta, se isso de fato aconteceu e impactou o desempenho da aeronave.
Pilotos ligados à companhia também relataram viagens exaustivas, condições precárias e ligações da empresa durante folga. Após o acidente, passageiros também compartilharam nas redes sociais experiências ruins envolvendo a companhia.
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Autoridades no local de queda de aeronave em Vinhedo, no interior de SP
REUTERS/Carla Carniel
O que diz a Voepass
Em nota, a Voepass informou que a queda do voo 2283 foi “o episódio mais difícil” da história da companhia e que, um ano após a tragédia, segue “solidária às famílias das vítimas”, mantendo “suporte psicológico ativo” e apoiando homenagens realizadas ao longo do período.
A empresa afirmou que “sempre atuou cumprindo com as exigências rigorosas que garantem a segurança” das operações e que a frota “sempre esteve aeronavegável e apta a realizar voos”, conforme padrões internacionais.
A companhia também afirmou que colabora com as investigações em andamento e reafirmou compromisso com a apuração dos fatos e com “a melhoria contínua nos processos de segurança da operação aérea”.
Confira abaixo as duas notas enviadas pela Voepass à reportagem:
Nota 1
No dia 9 de agosto de 2024, vivemos o episódio mais difícil de nossa história. A queda do voo 2283, na região de Vinhedo (SP), resultou em perdas irreparáveis.
Um ano depois, seguimos solidários às famílias das vítimas, compartilhando uma dor que permanece presente em nossa memória e em nossa atuação diária. Em mais de 30 anos de operações na aviação brasileira, jamais havíamos enfrentado um acidente.
Desde o início de nossa trajetória, sempre priorizamos a segurança, o respeito à vida e a integridade em todas as nossas decisões. A tragédia nos impactou profundamente e mobilizou toda a nossa estrutura, humana e institucional, para garantir apoio integral às famílias, nossa prioridade.
Nas primeiras horas após o acidente, formamos um comitê de gestão de crise e trouxemos profissionais especializados — psicólogos, equipes de atendimento humanizado, autoridades públicas, seguradoras, além de suporte funerário e logístico.
Desde o início, nosso cofundador, José Luiz Felício Filho, esteve à frente das ações, participando pessoalmente das reuniões com os familiares. Também apoiamos a participação das famílias na primeira reunião oficial com o CENIPA para a apresentação do relatório preliminar.
Temos atuado de forma transparente junto às autoridades públicas e seguimos empenhados na resolução das questões indenizatórias, já em estado bastante avançado. Mantemos o suporte psicológico ativo e continuamos apoiando homenagens realizadas pelas famílias ao longo deste ano. Nos solidarizamos com toda a forma de homenagem às vítimas do acidente.
Seguimos colaborando com as investigações em andamento, reafirmando nosso compromisso com a apuração dos fatos e contribuindo com a melhoria contínua nos processos de segurança da operação aérea. Continuamos caminhando com responsabilidade, humanidade e empatia. Nossa solidariedade permanece firme — com os familiares das vítimas, com toda sociedade brasileira.
Nota 2
A VOEPASS informa que sempre atuou cumprindo com as exigências rigorosas que garantem a segurança das suas operações aéreas e reitera que sua frota sempre esteve aeronavegável e apta a realizar voos, seguindo exigências de padrões de segurança internacionais, inclusive tendo a certificação IOSA, um requisito de excelência operacional emitido apenas para empresas auditadas IATA, além do acompanhamento periódico da ANAC como agência reguladora. Em 30 anos de atuação, em um setor altamente regulado, a segurança dos passageiros e da tripulação sempre foi a prioridade máxima da companhia.
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